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Prof. Marcelo Visintainer Lopes

segunda-feira, 29 de março de 2021

Acidentes a bordo de um veleiro são comuns?

 Por Marcelo Visintainer Lopes

Instrutor de vela

Escola de Vela Oceano


Escola de Vela Oceano Floripa



 

Um capitão deve conhecer todas as áreas que possam oferecer algum tipo de risco a bordo e em paralelo deve analisar em quais condições estes riscos poderão ocorrer com mais frequência.

Mapear os pontos sensíveis, identificar o tipo de risco, sinalizar e manter a tripulação ciente ajuda a reduzir a ocorrência de acidentes.

Para cada situação de risco existe uma maneira mais eficaz para evitá-la. Se a coisa acontecer de fato, devemos saber quais os passos devemos seguir para atender a ocorrência da melhor maneira.

Estamos falando de gestão de risco e isto é um assunto que todo comandante deveria conhecer e dominar.

Desde o início da minha trajetória profissional eu lido com gestão de risco. Trabalhei com crianças por muitos anos e sempre estive atento às questões que envolvem segurança.

Desde a escolha do equipamento de instrução, a previsão do tempo, os equipamentos de segurança obrigatórios e não obrigatórios, o limo na rampa, o hélice do motor de popa, o local onde os alunos sentam no bote, os procedimentos de reboque, enfim...

Em um veleiro a gestão de risco envolve diversos fatores que podem escapar do olhar atento do capitão. Se um tripulante descer ao interior do veleiro o capitão não terá controle total sobre a situação desta pessoa. O máximo que poderá fazer é monitorar através da voz.

Enquanto uma pessoa está lá dentro, outros cinco ou seis estarão lá fora (mais as crianças e o cachorro).

O capitão precisa manter 100% da sua atenção no comportamento das pessoas no ambiente de risco e ainda conseguir tocar o barco até o seu destino.

Não é à toa que eu digo que um comandante é uma pessoa com capacidades sobre humanas!!

Eu tenho uma passagem profissional que tem muito a ver com a pauta de hoje.

Há mais ou menos uns 10 anos atrás fui contratado para capacitar os membros da tripulação dos catamarãs que fazem o transporte de passageiros entre Porto Alegre e Guaíba.

Foram semanas de rotinas diárias com simulações reais de todos os riscos que faziam parte da operação.

A contratação previa a criação de um material de consulta rápida contendo todos os procedimentos a serem realizados em todos os tipos de risco.

Ao mesmo tempo que criava o material eu ia capacitando o pessoal em relação ao risco.

Encalhe, incêndio, pane de motor, abalroamento, navegação em baixa visibilidade, naufrágio, reboque de terceiros, pânico, acidentes com vítimas foram alguns dos riscos identificados.

Minha última entrega foi uma simulação que realizamos com o Corpo de Bombeiros utilizando mergulhadores, helicóptero, botes e equipes em terra que davam assistência aos feridos.

A mesma coisa que eu fiz no treinamento das tripulações é o que eu faço diariamente com meus alunos.

No ambiente de um veleiro um simples escorregão pode provocar desde um pequeno sangramento até uma situação de “Homem ao Mar”.

Acidentes banais a bordo são bem mais comuns do que a gente imagina, ainda mais com quem está pisando em um barco pela primeira vez.

1.Vou começar pelos perigos espalhados pelo convés e por isto indico o tênis ou o sapato fechado como equipamento de segurança para estes casos.

Usar este tipo de calçado é tão importante quanto usar uma bota para andar de moto. Quando a gente toma um escorregão ou um tombo mais sério de moto, a primeira coisa que a gente faz é olhar para os pés. Já cheguei a contar os dedinhos para ter certeza de que não havia perdido nenhum. Chinelo de dedo e moto não combinam, assim como veleiro e pés descalços também não.

Eu sei que a vontade de andar descalço é grande e que ninguém merece andar de sapato fechado no verão. Tenho certeza disto e também acho um saco, mas entre achar chato e pensar na segurança, eu fico com a segunda.

Onde estão os perigos?

Pilastras, carrinhos de genoa e trilho, carrinho do trilho da vela grande e trilho, cunhos de amarração, stoppers, mordedores, cancleats, guincho de âncora, ferragens de tampa de paióis, tampas de gaiutas, enfim.... Há uma infinidade de locais onde você poderá deixar seus dedinhos!

E chinelos de dedo e sandálias abertas funcionam?

São piores do que os pés descalços. Ao escapar do pé, um chinelo produz um escorregão ainda maior, além de causar tropeços com facilidade e não proteger os pés das batidas.

Evite problemas e mantenha seus tripulantes calçados.

Só libere o calçado se o pessoal prometer ficar sentadinho no cockpit!

Se for pegar sol lá na proa, peça que o faça com atenção ao caminhar.

Esta é a principal dica com relação ao ir e vir dos tripulantes: instrua seus amigos, clientes e familiares a perguntar para você “se pode” antes de tomar qualquer atitude de deslocamento.

Capitão posso ir ao toalete?

Lembrando que para utilizar o banheiro é necessária uma boa explicação antes...

Capitão posso fazer fotos lá na proa?

Capitão posso pular na água agora?

Um convés molhado, o barco adernado e ondas batendo no casco não apresentam boas condições de segura para deslocamentos até a proa, por exemplo.

Barco adernado ou balançando muito também não é uma boa opção para se fazer coisas dentro do barco.

Há momento certo para tudo e é o capitão, com toda a sua experiência, quem consegue enxergar os perigos e determinar a hora certa de fazer as coisas.

2. Colete salva vidas.

Não menos polêmico que o calçado, o colete ainda é visto por muita gente como algo desnecessário e até uma caretice.

O nome dele é salva vidas e sua função é exatamente esta.

Coloque pelo menos nas crianças e dê preferência para os que possuem uma fita que prende por baixo da virilha e que evita que a criança fuja por baixo.

Tudo está indo bem até alguém cair na água sem o colete.

Capitães com pouca experiência apresentam uma grande dificuldade em administrar a manobra de homem ao mar. Se a pessoa estiver de colete toda a desastrosa correria desaparece.

3. Cinto de segurança. Se colete era caretice, imaginem este item...

Infelizmente nós não temos a cultura do cinto de segurança. Lá fora ele é tão comum como o cinto do carro. Se você prestar atenção nas fotos de famílias velejando no exterior, notará o colete pendurado no pescoço.

Unindo o útil ao agradável, muitas marcas de coletes salva vidas produzem o colete com cinto de segurança. Este tipo de colete fica desinflado em volta do pescoço e em nada atrapalha os movimentos. Um pequeno cilindro de CO2 é o responsável pelo seu enchimento, bastando puxar um pequeno cabinho.

Muitos modelos contam também com o sistema de inflar através de sopro, com uma mangueira colocada estrategicamente ao alcance da boca.

4. Birutas indicativas da direção do vento.

Pequenos pedaços de lã amarrados nos estais laterais do mastro e bem na altura dos olhos (quando olhando para o horizonte), permitem identificar mudanças no ângulo do vento e assim conseguir evitar futuros jaibes e cambadas inesperadas...

Muitos barcos possuem sistemas de indicação do vento através do display da estação de vento e outros ainda possuem birutas rígidas no alto do mastro.

Não sou contra este tipo de equipamento lá em cima, mas sou totalmente a favor da redundância das birutas na altura dos olhos. A atenção do capitão sempre está voltada para o horizonte, para as birutas da genoa (no contravento e no través) e nas variações na direção do vento.

Em uma grande tela (como se fosse uma TV) você tem acesso a três coisas ao mesmo tempo: horizonte, birutas da genoa e biruta da direção do vento presa no estai.

Toda e qualquer alteração será notada imediatamente, pois nossa visão periférica permite que nos atentemos aos três fatores ao mesmo tempo.

Nos ventos de popa, apenas dois, mas não menos importantes, são os fatores: horizonte e variações do vento que podem implicar em perda de rendimento ou em um jaibe inesperado.

É justamente nos ventos de popa que a biruta de lã se torna imprescindível.

Não há como ficar olhando lá para cima do mastro o tempo todo e também não há nenhum sentido em fazer isto. Além de arrumar uma dor na coluna cervical, você perde o foco da proa e de tudo que possa aparecer pela frente.

O display da estação de vento deve ser instalado em um local que você não disperse sua atenção com a proa. Se ele for mal instalado e ficar muito baixo, por exemplo, você terá que ficar toda a hora olhando para baixo e perderá o rumo de proa com bastante facilidade. Se este for o caso, procure sentar em um nível que o display e o olhar no horizonte fiquem o mais alinhado possível.

Quando escrevo este tipo de artigo sempre penso em quem está começando.

Quem já rodou muitas milhas já está mais acostumado a realizar manobras com certa destreza e a enxergar perigos com antecedência.

Outra coisa que devo lembrar é que escrevo para quem veleja em locais com predominância de ventos fortes, como é o caso de Floripa.

Explico isto antes que o pessoal lá de Angra e Paraty me chamem de exagerado (rsrsrsrs).

Mesmo que você só veleja em locais com pouco vento penso ser hiper importante você aprender o que fazer quando uma frente entrar ou quando uma trovoada pegar você no meio do caminho.

Não dá pra ficar achando que a vida toda você só vai ficar pegando ventinho...

Aqui em Floripa os ventos de 20 a 30 nós predominam.

Até 40 nós você vai me ver dando aula normalmente e passando disto eu interrompo a aula e compenso em outro dia.

Meu veleiro escola é um Wind 34’. Ele foi concebido e dimensionado para ventos fortes.

Confiar no barco e em tudo o que está em cima dele é tão importante quanto manter a sua tripulação treinada para condições mais difíceis.

De vez em quando realize o rizo do grande, jogue uma boia na água e realize a manobra de homem ao mar, baixe a vela grande e amarre-a com rapidez na retranca, enrole a genoa de maneira precisa e eficaz etc.

Treine suas habilidades e de seus comandados constantemente, pois o nível de auto confiança aumenta.

Mantenha tudo funcionando impecavelmente, pois nunca sabemos o dia que precisaremos fazer uma manobra rápida para evitar algo maior ali na frente.

5. Usar velas menores.

Quando o capitão possui poucas milhas de experiência, usar velas menores (menos vela do que seria necessário para aquela velocidade de vento) é uma atitude sensata e eficaz. O barco fica mais lento, menos arisco e as chances de algo dar errado diminuem.

6. Não deixar crianças sentadas na borda quando o barco não possuir redes de proteção.

Sentados a barlavento, poderão facilmente escorregar para fora da borda no caso de uma cambada inesperada.

6. Amarração de cargas no convés.

Bambonas de água e de combustível devem permanecer o tempo todo muito bem amarradas em locais com boa resistência à ancoragem de materiais. De nada adianta amarrar uma bambona em um local que não possua resistência suficiente para aguentar a pancadaria, pois a chance de quebra é grande.

7. Dentro do barco também devemos pensar em manter as coisas presas durante a velejada, inclusive louças, gaveteiros e portas de armário.

Preste atenção especial nos locais onde guarda facas e objetos pontiagudos. Tenha certeza de que estes materiais estão completamente seguros.

Espero que o conteúdo lhe tenha sido útil!

Bons ventos!


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