Quem veleja tem história #2 – parte 1
Perrengue no translado Salvador – Vitória
As imagens são de André Larréa
Por Marcelo Visintainer Lopes
Instrutor de Vela
Escola de Vela Oceano
Ano: 2010
Veleiro: Delta 36’
Missão: translado
Trecho da parte 1: Salvador - Abrolhos
Tripulantes: André, Leandro e Carlos.
Comandante: Marcelo Lopes
Começando a travessia...
Desatracamos do Centro Náutico da Bahia em direção ao posto flutuante próximo do Forte São Marcelo.
Completamos o tanque e enchemos as demais bambonas com mais de 250 litros de algum combustível que deveria ser diesel.
Tudo pronto, barco abastecido, vela grande para cima e adeus Salvador.
Seguimos no motor por mais alguns minutos e em seguida abrimos a genoa, já com a proa no rumo de Abrolhos.
As ilhas do arquipélago estavam há dois dias de viagem (cerca de 300 milhas) e esta era a primeira parte da missão.
A ideia era realizar um registro fotográfico da fauna e da flora de Abrolhos.
Um dos meus tripulantes veio a bordo especificamente para registrar a expedição (@andrelarrea).
A parada no arquipélago também seria de descanso e espera pela passagem da segunda massa de ar vinda do sul.
Antes da saída da baia de Todos os Santos veio a primeira surpresa: nossa genoa explodiu como um pepel. Não havia vento para toda aquela destruição. No momento havia apenas 15kt, mas as costuras (apodrecidas) não resistiram.
O interessante é que poucos dias antes eu havia ido e voltado a Fernando de Noronha com esta vela e sempre com ventos próximo dos 20kt.
Arriamos o restos mortais da genoa e trocamos por outra que achei no paiol.
A única vela reserva era uma buja de kevler e logo percecbi que ela não fazia parte do enxoval original do barco.
Fazer o que?
Pelo menos era uma vela forte.
Logo na subida já comecei a rir do seu tamanho minúsculo, se comparada à genoa anterior.
Nem poderia imaginar que aquela velinha nos salvaria logo ali na frente.
O vento de popa e a asa de pomba nos empurravam ladeira a baixo com excelentes médias de velocidade (7kt nas primeiras 24 horas).
Uma velejada dos sonhos com muita música brasileira, boa comida e muitas risadas.
O vento soprava constante na casa dos 20kt e o mar variava entre 1,5m e 2,0m.
Disputas de quebra de recorde de velocidade nas surfadas nos mantiveram ligados por um longo período, até o vento acabar.
A brincadeira durou praticamente 24 horas e nas 12 horas seguintes o vento perdeu a força até acabar.
Havia a previsão da entrada de uma frente e por isto escolhemos a parada estratégica em Abrolhos.
O vento parou e virou, antes de conseguirmos alcançar o abrigo das ilhas.
Com o vento já entrando forte e na cara, ligamos o motor e enrolamos a genoa para tentar aproximar ao máximo do rumo.
Mantínhamos a vela grande sempre cheia para ajudar o motor e assim fomos galgando algumas milhas, até o motor começar a perder a potência.
Ainda faltavam umas 20 milhas e não podíamos mais contar com o motor. Abrimos a genoa e seguimos velejando por mais umas 12 horas.
Uma forte corrente contrária fazia despencar a nossa velocidade real e por isto demoramos tanto tempo para completar aquele pequeno trecho.
Volta e meia eu ligava o motor para ver se ele voltava ao normal, mas nada diferente acontecia. Ao acelerar ele perdia a potência...
Alcançamos Abrolhos ao amanhecer e logo jogamos ferro.
Fiz contato com a ilha e pedi licença para desembarcar a “equipe de fotografia. Desembarque aceito!
Quando chegamos havia apenas um barco fundeado naquela ancoragem. Chamei-o pelo rádio e perguntei se por acaso não havia alguém que pudesse me ajudar com o motor.
Era o barco de uma operadora de mergulho e dentro dele havia apenas um tripulante. O resto da tripulação e os mergulhadores estavam todos na água.
Aquele único ser humano que encontrava-se a bordo era o mecânico do barco. E tem gente que não acredita em Deus! Rsrsrsrs
Escola de Vela OceanoO rapaz de nome “Digão” veio a bordo com todas as suas ferramentas, mangueiras e alguns litros de óleo diesel filtrado.
Passamos a manhã inteira mexendo no motor e realizando os testes de força. Digão descobriu que o nosso diesel estava completamente contaminado de água salgada.
Havia um pouco de diesel na água salgada.
Sim, isto mesmo!
Não era água no diesel e sim diesel na água. Havia muito mais água do que diesel.
Enfim, depois de um dia inteiro de tentativas Digão chegou ao veredito aproximado: deu ruim nos bicos injetores...
Perdemos o motor!
A perna seguinte seria toda de contravento e o nosso destino era o conturbado Porto de Vitória.
Fazer o quê?
No final desta mesma tarde que fundeamos em Abrolhos, suspendemos o ferro e partimos, sem motor, rumo a Vitória.
A frente havia acalmado e seguimos com pouco vento e com muita correnteza contrária...
Como a história é meio extensa eu vou concluir na outra postagem.
Até lá!
Eu à direita e Leandro Ávila (esquerda)