Por
Marcelo Visintainer Lopes – Escola de Vela Oceano
Instrutor
de Vela e Consultor Náutico
Qual
o melhor ângulo para velejar em uma travessia?
Contra
vento ou a favor dele?
Velejar em harmonia com a natureza (a
favor do vento e das ondas) é sempre a melhor maneira para realizar uma
travessia oceânica.
Velejadores menos experientes costumam
apresentar resistência em velejar a favor do vento por causa dos mitos criados
em torno do pêndulo, do jibe chinês e das atravessadas.
A verdade é que os ventos e mares de
popa nos levam ao destino com mais facilidade e com menor esforço.
Velejar a favor do vento só traz
benefícios para o barco e para a tripulação e a vida a bordo fica bem menos
complicada.
Podemos descansar, dormir, cozinhar, comer
e realizar manutenções com muito mais tranquilidade.
Em determinadas situações é preferível
deixar o barco em algum lugar seguro e buscá-lo quando as condições melhorarem
ou até mesmo contratar um serviço de transporte por terra.
Pode até parecer bobagem, mas esta
situação é muito comum na perna de Rio Grande a Florianópolis, principalmente
com barcos com menos de 30 pés.
Já vi muita gente optando pelo
transporte por terra depois de tentativas frustradas de levar o barco por água.
Se acertar a meteorologia vai dar tudo
certo. O problema é a ansiedade que a navegação do trecho gera, o que acaba
levando ao erro na avaliação da “janela de tempo”.
As
técnicas
O conforto da velejada vai depender diretamente
das técnicas utilizadas pelo comandante.
A principal medida é melhorar a
estabilidade lateral utilizando a genoa para o lado contrário da vela grande (asa
de pomba).
O pau de spinnaker garante que a genoa
permaneça sempre cheia de vento e também ajuda na estabilidade do barco. Se a
genoa estabilizar o barco também estabiliza.
Duas genoas abertas para lados opostos
(asa de borboleta) também funcionam de maneira parecida com a asa de pombo.
Neste caso é comum arriar a vela grande.
Muitas outras configurações podem ser
tentadas com ventos moderados.
Os mais experientes costumam adriçar
todas as velas possíveis.
Vale ressaltar a importância de
amarrar a vela grande ou de utilizar sistemas de prevenção contra a pancada da
retranca em um jibe involuntário.
É normal perdermos a noção da
velocidade do vento quando o vento de popa aumenta. A constatação do aumento da
velocidade do barco deve ser observada com mais atenção. Se a velocidade do
barco aumentar é porque o vento também aumentou.
Quando o vento aumenta o mar também
tende a crescer. Isto faz com que administremos o tamanho da vela e a
velocidade do barco com mais cautela.
A vela grande deve ser rizada, preferencialmente,
antes do vento aumentar ou logo no início da constatação do aumento.
Comandantes mais conservadores
costumam rizar antes de anoitecer (independente das condições).
A genoa pode ser enrolada a qualquer
instante e bem mais tarde do que a grande.
Com vento mais forte é melhor utilizar
a vela grande rizada e asa de pomba com a genoa bem enrolada (tamanho de uma
buja de tempestade ou menor).
A vela grande quase não produz
esforços estruturais se comparada à genoa, pois ela está armada no mastro (todo
estaiado).
Por estar presa somente no estai de
proa a genoa produz fortes solavancos que atingem toda a mastreação e
consequentemente outros pontos do casco.
Fixações, pinos, contra pinos, roscas
e parafusos também tendem a sofrer muito nas condições de vento mais duro.
Sendo assim é aconselhável retirar a genoa e velejar só com a grande bem rizada.
Surfar
ondas grandes
Para os velejadores mais experientes,
andar rápido e surfar ondas grandes é uma das sensações mais incríveis que um
veleiro pode proporcionar.
Bater recordes de velocidade e
conectar duas ou mais ondas na mesma surfada é garantia de diversão.
O
mar de popa pode ser desconfortável?
Se o vento estiver fraco sim!
As velas ficam batendo de um lado para
o outro e o barco praticamente não sai do lugar. Amarrar a retranca é
obrigatório para evitar as fortes batidas de um lado para o outro. Enrolar a
genoa e ligar o motor costuma ser a melhor opção (se for possível)!
Sem motor ou combustível, a única
saída é amarrar tudo o que possa bater, cair ou fazer barulho e esperar o vento
chegar.
Velejar
contra o vento
Se o mar estiver desorganizado,
qualquer condição de vento será desconfortável para a tripulação e para o
barco.
O impacto constante e prolongado das
ondas contra o casco leva à fadiga do laminado e a consequente diminuição da
resistência mecânica.
Praticamente todas as áreas do barco
entram em “sofrimento”, incluindo a mastreação, as velas e diversos outros
componentes.
A adernação e os movimentos de subida
e queda brusca nas ondas dificultam as atividades essenciais a bordo como dormir,
cozinhar e comer.
O número de camas também diminui com a
adernação. As camas de barlavento só funcionam com a instalação de dispositivos
de antepara lateral (lona, rede ou madeira).
Quando as condições de vento e
corrente reduzem a velocidade real do barco, o tempo de chegada ao destino
aumenta e o consumo de água e alimentação também. O modo “racionamento” costuma
ser ativado nestes casos.
Se o objetivo estiver bem contra o
vento, a velejada envolverá múltiplas cambadas e o tempo de travessia poderá
facilmente dobrar ou triplicar.
Depois de algumas horas velejando
contra o vento e contra a correnteza verifica-se que a distância percorrida em
direção ao objetivo é muito pequena.
Em muitas situações, a distância percorrida
em 24 horas é a mesma de uma velejada de duas ou três horas a favor do vento.
O acréscimo de tempo na previsão de
chegada, o desconforto e a perda na qualidade da alimentação costumam aumentar
a ansiedade.
Produzir alimentos quentes só é
possível com a ajuda do forno, de uma panela de pressão e de alguém desposto a
encarar aquela viração lá de baixo.
Normalmente a tripulação vai se
virando com ovos cozidos, biscoitos, frutas e sanduiches.
Exceções
Conheço apenas duas razões para um
comandante optar em velejar contra o vento:
1. Dias de mar calmo, com vento
moderado e constante e com um rumo que leve direto ou próximo ao destino.
Com estas condições de mar (se a
corrente não for contrária), o barco desenvolverá uma boa velocidade real.
Navegar em um bordo só, direto ao
destino e com o mar nestas condições, pode se transformar na “velejada da
vida”.
Esta é a mais pura verdade,
principalmente no calor do verão. Neste caso, o vento aparente funciona como um
ar condicionado ligado, fazendo com que a sensação de calor diminua bastante.
2. Quando não houver outra opção...
Cuidado com a ansiedade. Se der para
esperar pela mudança do vento, espere!
Locais onde a predominância é de
contra vento, daí realmente não existe outra maneira.
Ainda assim é preferível estudar bem
as condições locais e planejar algo que resolva o problema de uma só vez.
Em muitas situações é melhor optar por
outras formas de transporte como citei anteriormente.
Vento
de través
A velejada com mar e vento de través
pode ser confortável com ventos de médio a fortes e com um bom período entre as
ondas.
Com vento fraco e mar desencontrado a retranca
fica batendo para os lados, fazendo com que a velejada fique chata e desconfortável.
Amarrar a retranca a sotavento diminui
o barulho, mas não melhora o balanço e nem aumenta a velocidade.
Com vento mais forte a situação já melhora,
pois as velas ganham pressão, a velocidade aumenta e pode ocorrer uma melhora na
estabilidade lateral.
Com mais vento e com a consequente
subida do mar podemos ver as cristas quebrando. Com o passar das horas as
cristas podem aumentar e cuidados devem ser tomados.
Batidas fortes no costado, adernação
demasiada e consequente deslizamento lateral podem ocorrer.