Por
Marcelo Visintainer Lopes
Instrutor
de Vela Oceânica e Consultor Náutico
O auge da produção de veleiros no
Brasil ocorreu nas décadas de 80 e 90 e são estes mesmos barcos que continuam
dominando o mercado de usados até hoje.
A maior parte dos estaleiros desta época
encerrou suas atividades e poucos estaleiros novos surgiram.
A constatação desta desigualdade é que
o número de barcos produzidos dos anos 2000 até hoje é muito menor do que os
produzidos no passado.
Sendo assim, a busca pelo barco ideal,
principalmente o “primeiro barco”, passa a ser um trabalho de garimpo.
É necessário olhar muitos barcos para
encontrar um que esteja em boas condições. Estamos falando de barcos com mais
de 30 anos.
Por serem encontrados em menor número,
os barcos mais novos tendem a sair mais rápido da “prateleira”.
Embora sejam comercializados mais rapidamente,
não existe nenhuma garantia de são mais bem construídos que os antigos.
Muitas vezes é preferível comprar um
barco antigo do que um mais recente produzido por um “estaleiro de fundo de
quintal”.
Normalmente quem está buscando o seu “primeiro
veleiro” ainda não possui conhecimento suficiente sobre marcas e modelos.
Antes de comprar um carro você faz uma
grande pesquisa buscando descobrir as avaliações técnicas e as reclamações
recorrentes.
No mercado de barcos não funciona
assim. Quem compra um veleiro de procedência duvidosa, muitas vezes nem fica
sabendo disto.
Os poucos comentários encontrados na
web limitam-se ao desempenho, conforto, estética e outras coisas que não são
relevantes na avaliação técnica.
Quando uma pessoa está olhando um
barco para comprar, normalmente sua avaliação baseia-se naquilo que “mais salta
aos olhos” como as madeiras bem envernizadas, os estofamentos e os instrumentos
eletrônicos (mesmo que obsoletos).
A parte estrutural passa desapercebida
e a maioria dos defeitos mais graves também.
Foi pensando nisto que criei uma lista
com os erros mais comuns na avaliação.
1.Barcos
abandonados
Primeiro exemplo
É cada vez mais comum encontrarmos
veleiros “abandonados” pelos pátios da cidade e parar o carro para descobrir alguma
coisa sobre eles é muito tentador. Confesso que já fiz isto inúmeras vezes.
Sempre temos a impressão de que poderão
ser renovados facilmente.
Se o barco estiver à venda por um
valor que considere justo, você vai dar um jeito de levá-lo para casa no mesmo
dia.
Sua esposa vai adorar a surpresa!
Rsrsrsrsrs
Onde está o problema?
O impulso da compra impede você de
avaliar tecnicamente o que realmente interessa que é a integridade do casco e
dos demais equipamentos.
Pessoas “normais” não conseguem
enxergar o que há escondido por baixo da estrutura toda.
Velejadores com mais experiência
avaliam a estrutura e já calculam o valor aproximado da reforma.
Toda a precaução nesta hora é
importante, pois o impulso pode levar você a comprar um barco condenado.
Os
demais componentes
Barcos velhos normalmente apresentam
corrosão galvânica nos perfis de mastro e retranca e dependendo do estado, a
substituição é a única solução.
Se o motor não estiver 100%, o custo
de aquisição de um novo poderá passar da metade do valor barco ou até mais.
Velas, cabos e estaiamento são passíveis
de troca, mas somando tudo é possível que a conta chegue próxima de um veleiro pronto
(sem nada pra fazer).
Segundo exemplo
Você encontra um barco em situação
parecida com a anterior só que desta vez trata-se de uma construção artesanal
(barco feito em casa).
Não há nada de errado com a cultura da
construção artesanal. A única exigência é que o projetista seja conhecido e que
o projeto seja executado à risca.
Quem constrói seu próprio veleiro
sente um orgulho enorme em ter conseguido executar o projeto do início ao fim.
O que frustra a maioria dos
construtores artesanais é sempre o custo final.
Quase sempre o valor investido daria
para comprar um barco novo ou semi novo do mesmo tamanho ou até maior.
O segundo detalhe é a desvalorização
no momento da venda, pois existe uma diferença grande entre o seu custo final e
o valor percebido (valor de mercado).
2.Recall
Alguns barcos produzidos no Brasil
apresentam problemas recorrentes.
A diferença entre a fabricação de
barcos e a fabricação de carros é que as fábricas de automóveis são obrigadas a
comunicar os proprietários sobre problemas mais graves e os estaleiros não.
Você conhece algum modelo de veleiro
que já apresentou problemas recorrentes?
Eu conheço vários...
Se você não conhece nenhuma pessoa com
conhecimento do mercado náutico eu aconselho que você se dirija até uma marina
e converse com o pessoal de manutenção (especialmente fibra e pintura). É a
melhor maneira para descobrir a verdade sobre os estaleiros. Este pessoal sabe
tudo sobre a resistência dos cascos e vão contar a você quais são os modelos mais
fortes e os mais fracos.
Como eles acompanham o içamento dos
barcos para cima das carretas ou para apoiá-los sobre a quilha (quando ficam no
chão), sabem direitinho “onde o nó aperta”.
A notícia boa é que existem poucos
modelos que apresentam problemas!
Não desista!!
3.O barco não atendeu suas
expectativas
Você percebeu que...
-
Balança muito
-
Não consegue se acomodar - ele é muito apertado
-
Não tem banheiro
-
A cozinha é muito pequena
- Ele é muito lento - faz médias
inferiores a 5 nós
- Ele é grande demais e que é
necessário fazer muita força para velejar
- Ele é muito pequeno e nervoso.
- Ele faz uns barulhos e ringidos
estranhos
Barcos pequenos (12 a 23 pés em média)
não foram concebidos para proporcionar conforto ao velejar.
Muitos deles não foram pensados para
navegar no mar, só em lagoas e lagos.
Se você não se importar de tomar uma
onda ou outra na cara eu não vejo muito problema, mas antes pesquise sobre o
tipo de água para qual o barco foi construído.
Veleiros com problemas estruturais
costumam ringir de verdade. Quanto mais vento e ondas, mas ringidos aparecem.
Pode ser a porta de armário ou a porta
de uma cabine. Até aí nenhum absurdo. O problema é quando as anteparas (tipo
paredes internas que possuem a função estrutural) começam a se deslocar.
Estes barulhos aparecem quando o barco
sofre algum tipo de deformação. Pode ser no encontro com as ondas, na ação do
vento mais forte refletindo nas velas e outros. Elas estão previstas no projeto
e os reforços estruturais servem exatamente para isto.
Só não podem ocorrer ao ponto de
provocar descolamentos de materiais ou delaminações na fibra.
4.Comprou
um pequeno, mas poderia ter comprado um maior
A única exigência para comprar o barco
do tamanho definitivo é você ter a certeza absoluta que gosta de velejar.
As trocas por modelos maiores só geram
perda de tempo e de dinheiro. Tempo para conseguir vender (pode demorar
bastante) e talvez algum dinheiro com a depreciação.
Muitos velejadores gostam de falar que
devemos começar pelo pequeno e depois ir subindo. Isto é coisa do passado, onde
o acesso ao dinheiro era mais difícil e para trocar de barco o cara tinha que
ser bem de vida.
Existia também a cultura equivocada que
dizia que aprender no pequeno te dá “sensibilidade”. De fato, se você aprender
no pequeno conhecerá com mais facilidade as tendências de um barco maior, só
que isto só vai funcionar até um determinado tamanho de barco.
A sensibilidade que você adquiriu
velejando em um Laser por exemplo, não encontra lugar em um veleiro acima de 30
pés e com roda de leme.
Se os processos de ensino da vela
contemplassem este raciocínio pedagógico você seria “obrigado” a passar
primeiro pelo monotipo para depois acessar os cursos de vela oceânica.
Definitivamente não é assim que
funciona. Se fosse assim as escolas de vela não teriam cursos de iniciação à vela
oceânica disponíveis para adultos sem experiência.
Velejadores com experiência em classes
menores (monotipos) velejam em qualquer tipo de barco, sem a necessidade de
passarem por cursos mais avançados.
5.Aprender
por conta própria
Sempre digo a mesma coisa em relação a
este tipo de atitude: se você estiver sozinho a bordo o problema será só seu!
A irresponsabilidade começa quando
você coloca outras pessoas no mesmo barco.
Essa não é a atitude mais sensata e
segura a ser tomada, pois manobras equivocadas costumam causar sérios acidentes
a bordo.
Velejar é prática e repetição
continuada assistida por um profissional.
O resto é perda de tempo e negligência
com a segurança da tripulação.
Tutoriais na internet não ensinam a
velejar. É impossível aprender a comandar um veleiro oceânico sem uma pessoa
mais experiente ao seu lado.
Ao longo dos meus 45 anos de vela
tenho acompanhado a difícil trajetória de quem fez esta escolha. O que eu posso
relatar é que elas continuam tensas, inseguras e cometendo os mesmos erros de
sempre.
6.Barco
“zero km” é garantia de qualidade?
A resposta é sim, desde que o
estaleiro possua responsabilidade com os seus clientes.
Se você não tiver boas referências é
melhor comprar um barco mais antigo, mas com procedência garantida.
Existem alguns (poucos) estaleiros que
utilizam processos de laminação duvidosos e empregam pouca quantidade de
material, diminuindo a resistência estrutural. Este o mais antigo e o mais
imoral artifício utilizado para a redução de custos.
Geralmente são barcos com valores
atrativos, porém inadequados para velejar com segurança.
Estaleiros deste tipo poderiam
produzir caixas d’água e piscinas, mas veleiros nunca!
Você já ouviu falar de algum assim?
7.Comprar
um veleiro e guardá-lo na garagem
Veleiros oceânicos de quilha fixa não
foram criados para ficar longe da água.
Você deve procurar locais com vagas
molhadas, rampa com guincho ou trator ou que possuam sistemas de içamento com
pau de carga ou travel lift.
Veleiros de até uns 23 pés com bolina
ou quilha retrátil podem ser guardados em casa com mais facilidade.
Uma coisa é guardar e a outra é
velejar.
A vontade de velejar vai diminuindo
gradativamente em função da trabalheira toda...
Deslocar o barco até uma rampa,
baixar, montar, guardar o carro e a carreta em algum local seguro, velejar,
desmontar, buscar o carro, subir e levar de volta para casa...
Ufa! Cansei só de falar o passo a
passo, imagina lá na hora?
Você só aproveitará um veleiro de
verdade se ele permanecer na água ou bem perto dela!
Existem clubes e marinas que mantém os
barcos em seco, mas daí o trabalho de colocar e tirar é todo deles.
Nestes casos não há necessidade de
tirar e colocar o mastro.
Antes de bater o martelo na compra do
veleiro você deve pesquisar sobre as possibilidades de guarda (marina ou
clube).
O bom mesmo é ir fazendo a busca do
barco e da vaga em paralelo.
No caso do clube, não compre o título
sem antes saber se existe vaga para o barco e sem antes conhecer bem o
estatuto.
Pode acontecer de você adquirir o
título e não haver disponibilidade dentro d’água e também pode acontecer de
você querer morar a bordo e o estatuto não permitir.
Se for uma marina, descubra se a
estrutura é capaz de atender suas necessidades bem como se os horários de
atendimento condizem com os seus horários de utilização do barco.
Se você está pensando em viver a
bordo, busque um local abrigado de todos os ventos e longe de ondas.
Minha marina é um bom exemplo disto. Ela
fica no bairro de Santo Antônio de Lisboa em Florianópolis.
O local é bem protegido de norte a
sudeste, porém completamente aberto de sul a noroeste.
Para morar no barco é preferível ficar
longe de uma estrutura de marina, mas abrigado em uma boa enseada.